quarta-feira, 20 de julho de 2016

ENTENDENDO O CONCEITO DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL

Zildo Gallo

Este artigo foi publicado originalmente em 27 de novembro de 2014. Pela importância do tema para a humanidade nos dias de hoje, resolvi republicá-lo hoje, 20 de julho de 2016. Trata-se de uma rápida e necessária discussão sobre o conceito de desenvolvimento sustentável. A palavra sustentabilidade está sendo abusada e o seu significado está sendo perdido, pois foi apropriada pelos marqueteiros como mote para vender quaisquer coisas, inclusive coisas nada sustentáveis do ponto de vista socioambiental. Ao artigo!


A partir do início da década de 1970, travaram-se muitas discussões sobre revisões do con­ceito de desenvolvimento, no sentido de ampliar a sua abrangência, indo além do mero crescimento econômico, para nele incorporar as dimensões sociais e ambientais. Tratava-se de um debate necessário e urgente. Assim, alternativas de desenvolvimento que incluíam a preservação ambiental e os ganhos sociais foram definidas como ecodesenvol­vimento, desenvolvi­mento sustentável, desenvolvimento alternativo, etc.

O conceito de ecodesenvolvimento foi usado pela primeira vez em 1973 por Mau­rice Strong (membro da Comissão Mundial sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento - CMMAD). Todavia, foi Ignacy Sachs (1986) quem formulou os princípios bási­cos desta nova visão de desenvolvimento, integrando seis aspectos básicos que deveriam orientar o crescimento econômico: 1) a satisfa­ção das necessidades básicas; 2) a solidariedade com as futuras gerações; 3) a par­tici­pação da população envolvida; 4) a preservação do meio ambiente e dos recur­sos naturais; 5) estruturação de um sistema social que garanta emprego, segurança social e respeito a outras culturas e; 6) programas de educação.

O ecodesenvolvimento foi apresentado como uma estratégia de desenvol­vi­mento que negava o crescimento econômico destruidor dos recursos naturais. Ele propôs uma nova ética para o desenvolvimento, reforçando a necessidade de se usar os recursos natu­rais de cada ecossistema de forma cuidadosa pelas popula­ções. O objetivo do crescimento econômico deveria ser o de melhorar a qualidade de vida das pessoas e a satisfação de suas necessidades básicas, utilizando tecnolo­gias ambientalmente adequadas.

Ao contrário do ecodesenvolvimento, que sobreviveu por um curto período de tempo, o con­ceito de desenvolvimento sustentável, seu contemporâneo, permane­ceu. Isto aconteceu, talvez, em função de ter sido adotado em documentos impor­tantes como o Nosso Futuro Comum (Relatório Brundtland, 1987) e o Informe da Comissão de Desenvolvimento da América Latina e Caribe (1991). Sua definição mais conhe­cida foi registrada em 1987 no documento Nosso Futuro Comum“o desenvolvi­mento sustentável é aquele que atende às necessida­des do presente sem compro­meter a possibilidade de as gerações futuras atenderem as suas próprias necessi­dades” (CMMAD, 1991, p. 46). Sachs usa os conceitos ecodesen­volvi­mento e desenvolvimento sustentável como sinônimos.

O Relatório Brundtland, apresenta um rol de medidas que de­vem ser tomadas pelos estado nacionais para que eles possam garantir a susten­tabilidade do desenvolvimento: 1) manutenção de um nível populacional sustentá­vel; 2) garantia de alimentação no longo prazo; 3) preservação da biodiversidade e dos ecossistemas; 4) diminuição do consumo de energia e adoção de tecnologias baseadas em fontes renová­veis; 5) aumento da produção industrial nos países não industrializados na base de tecno­logias ecologicamente adaptadas; 6) controle da urbanização selvagem e integração entre campo e cidades menores; 7) satisfação das necessidades básicas.

A satisfação das necessidades e das aspirações humanas é o principal ob­je­tivo do desenvolvimento. Para a CMMAD (1991, pp. 46-47), “num mundo onde a pobreza e a injus­tiça são endêmi­cas, sempre poderão ocorrer crises ecológicas e de outros tipos”. Para que o desenvolvi­mento seja sustentável é necessário “que todos te­nham aten­didas as suas necessidades básicas e lhes sejam proporcionadas oportu­nidades de concretizar suas aspirações a uma vida melhor”.

O desenvolvimento sustentável não é um estado de harmonia permanente. Trata-se de um processo onde o uso dos recursos, o destino dos investimentos, os caminhos do desenvolvimento da tecnologia e as mudanças institu­cionais devem estar de acordo com as necessidades do presente e do futuro. Não se trata de um processo fácil. As escolhas são difíceis. “Assim, em última análise, o desenvolvimento sustentável depende do empenho político” (CMMAD, p. 10).

Como estratégia para se atingir o desenvolvimento sustentável faz-se ne­ces­sária a consideração das questões econômicas e ecológicas nos processos de to­mada de deci­sões, visto que, nas atividades do mundo real, economia e ecologia estão integradas. Nesse sentido são necessárias mudanças de atitudes e ob­jetivos e a adoção de novas disposições institucionais em todos os níveis: munici­pal, estadual e federal. A sustentabilidade requer responsabilidades maiores com os impactos das deci­sões. Para tanto, mudanças fazem-se necessárias nas estruturas legais e institu­cionais no sentido do reforço do interesse comum. Contudo, a lei por si só não consegue impor o interesse comum, que requer também a conscientização e o apoio da comunidade, o que implica em maior participação pública nas decisões que afetam o meio ambiente e a sociedade.

Para se conseguir o exposto acima, a melhor maneira é a descentralização admi­nistrativa dos recursos de que dependem as comunidades locais, concedendo-lhes voz ativa sobre o seu uso, através do estímulo às iniciativas dos cidadãos e das organizações populares e do fortalecimento da democracia local, pois as ações sociais e ambientais passam dominantemente pelo espaço local, dado que elas estão muito mais visíveis nos municípios, além do fato de que o poder local, em tese, encontra-se mais próximo do cidadão. A descentralização da gestão pública ajuda e é necessária ao processo de busca do desenvolvimento sustentável.

Em junho de 1992, aconteceu no Rio de Janeiro a Conferência da ONU so­bre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento (CNUMAD). O documento mais im­portante que resul­tou do encontro foi a Agenda 21, que se trata de um programa de ação em forma de reco­mendações. Conforme a Secretaria da CNUMAD, para a implantação plena da Agenda, eram necessários gastos da ordem de 625 bilhões de dólares ao ano, incluindo aí uma transferência de 125 bilhões do Norte para o Sul, a título de Assistência Oficial ao Desen­volvimento, o que significava, em 1993, 70 bilhões a mais que o nível de transferência praticado naquele período (SACHS, 1993, p.59). Em 2003, 11 anos depois, Washington Novaes (2005, p. 325) informou que a ajuda dos países ricos não aumentou e estava em 56 bilhões de dólares/ano, comprovando o descaso dos ricos do pla­neta.

A Agenda 21 global reconhecia desde o início que o desenvolvimento sus­tentável e a proteção do meio ambiente só se viabilizariam com o apoio das comu­nidades locais. No Brasil, a partir de 1992, alguns estados e vários municípios decidiram construir suas Agen­das 21. No nível nacional, o processo começou em 1997, por iniciativa do Ministério do Meio Ambiente, envolvendo cera de 40 mil pessoas nas discussões estaduais, e foi con­cluído em 2002. Novaes (2005, p.325) avalia que este foi o maior processo de participação para definir políticas públicas no Brasil.

Foram realizados seis diagnósticos setoriais que apontaram a situação vi­gente em seis áreas básicas, os conflitos, as estratégias e as ações prioritárias. As áreas escolhidas foram as que seguem: 1) gestão dos recursos naturais; 2) agricul­tura sustentável; 3) cida­des sustentáveis; 4) redução das desigualdades sociais; 5) infraestrutura e integração regional; 6) ciência e tecnologia para o desenvolvi­mento sustentável. O amplo processo de consulta, que se deu após a realização dos diagnósticos preliminares e que contou com várias etapas, foi todo registrado e resultou na Agenda 21 brasileira. O material produzido nesse processo, um con­junto de documentos muito valiosos, foi publicado e pode (deve) ser consultado por estados, municípios e cidadãos (NOVAES, 2005, pp. 325-331).

Ignacy Sachs – membro do grupo que auxiliou no preparo das Conferên­cias de Es­tocolmo e do Rio de Janeiro e dos dois encontros preliminares sobre desen­volvimento e meio ambiente que as antecederam, Founex (1971) e Haia (1991) – em seu trabalho Es­tratégias de Transição para o Século XXI: Desenvol­vimento e Meio Ambiente, defende que devem ser consideradas no processo de desenvolvi­mento, de forma simultânea, cinco dimensões de sustentabilidade: social, econômica, ecológica, espacial e cultural, abrangendo, assim, os mais amplos aspectos ambientais e da vida em sociedade. Cos­tanza, citado por Sachs (1993, p. 24), de forma cristalina, assim entende a questão da sustentabilidade:

Sustentabilidade é um relacionamento entre sistemas econômicos dinâmi­cos e sistemas ecológicos maiores e também dinâmicos, embora de mu­dança mais lenta, em que: 1) a vida humana pode continuar indefinida­mente; 2) os indivíduos podem prosperar; 3) as culturas humanas podem desenvolver-se; mas em que 4) os resul­tados das atividades humanas obedecem a limites para não destruir a diversidade, a complexidade e a função do sistema ecológico de apoio à vida.

Sachs (2004, p. 25), numa análise mais recente, considera que o conceito de desenvol­vi­mento tem evoluído, incorporando experiências tanto positivas como negativas e refletindo as mudanças políticas e os modismos intelectuais. E, por falar em mo­dismos, o autor analisa os pontos de vista dos intelectuais “pós-moder­nos” e dos “fundamentalistas de mercado” sobre a questão do desenvolvimento.

Segundo ele (2004, p. 25), os primeiros propõem a renuncia do conceito do desenvolvimento e alegam que ele contribui para “per­petuar as relações assimétricas entre as minorias dominadoras e as mai­orias dominadas”, dentro dos países e entre os países. Eles propõem avançar para um estado de pós-desen­volvimento, mas sem esclarecer o que seria isso. Contudo, têm razão quando duvidam da possibilidade de crescimento indefinido da produção material, por conta da finitude do planeta. Esta verdade óbvia, tomada isolada­mente, deixa uma questão aberta: como supe­rar os dois maiores problemas não resolvidos no século XX e herdados pelo século XXI: o desemprego em massa e as desigualdades sociais cres­centes? Parece que não dá para, simplesmente, abandonar a ideia de desenvolvimento.

O segundo grupo, por sua vez, considera o desenvolvimento como um con­ceito re­dundante. Os seus membros entendem que o desenvolvimento vem como resultado natural do crescimento econômico, graças ao “efeito cascata”. Não faria sentido pensar uma teoria sobre o desenvolvimento. A teoria do “efeito cas­cata”, caso funcionasse, o que, na reali­dade, não ocorre, é inaceitável em termos éticos, pondera Sachs, pois, “num mundo de desigualdades abismais, é um ab­surdo pre­tender que os ricos devam ficar mais ricos ainda, para que os destituídos possam ser um pouco menos destituídos”. Então, Sachs volve o olhar para o economista Amartya Sen que defende a urgente reaproximação da ética, da econo­mia e da política e cita as palavras de Gandhi: “as economias que ignoram considerações morais e senti­mentos são como bonecos de cera que, mesmo tendo aparência de vida, ainda carecem de vida real” (SACHS, 2004, pp. 26-27).

O desenvolvimento sustentável, como já foi visto, deve obede­cer ao imperativo ético da solidariedade com as gerações presentes e futuras e também exige que se explicitem os critérios de sustentabilidade social e am­biental e de viabilidade eco­nômica. Resumindo: “apenas as soluções que conside­rem estes três elementos, isto é, que promovam o crescimento econômico com impactos positivos em termos sociais e ambien­tais, merecem a denominação de desenvolvi­mento” (SACHS, 2004, p36).

Duas coisas ficam claras em toda esta conversa: 1) a sustentabilidade não pode significar não desenvolvimento, pois o não desenvolvimento significa claramente não resgatar os milhões de seres humanos que vivem na miséria; 2) em todo seu processo, o desenvolvimento não pode desconsiderar a solidariedade com as gerações futuras, garantindo que elas tenham os mesmos recursos de que dispõe a geração atual.

Tornar o desenvolvimento econômico sustentável trata-se de um bom desafio para todos os seres humanos, indistintamente. Até mesmo a simples permanência da ideia de sustentabilidade como uma utopia, ainda que por um tempo relativamente longo, pode ser muito útil, pois minimamente serve como um farol para os navegantes do planeta Terra.

Referências
COMISSÃO DE DESENVOLVIMENTO E MEIO AMBIENTE DA AMÉRICA LATINA E DO CARIBE. Nossa própria agenda. Rio de Janeiro: BID e PNUD, 1992.
COMISSÃO MUNDIAL SOBRE MEIO AMBIENTE DE DESENVOLVI­MENTO (CMMAD). Nosso futuro comum. Rio de Janeiro: Editora da Fundação Getúlio Vargas, 1991. (Relatório Brundtland – 20 de março de 1987)
COSTANZA, Robert. Ecological economics: the science and management of sustainability. Nova York, Columbia University Press, 1991.
______. The ecological economics of sustainability: investing in natural capital. In Goodland et alii (eds.). Environmentally sustainable economic development: Building on BrundtlandUNESCO, 1991.
NOVAES, Washington. Agenda 21: um novo modelo de civilização. In: TRI­GUEIRO, André (coord.). Meio ambiente no século 21: 21 especialistas falam da questão ambiental nas suas áreas de conhecimento. Campinas, SP: Armazém do Ipê (Autores Associados), 2005.
SACHS, Ignacy. Desenvolvimento: includente, sustentável, sustentado. Rio de Janeiro: Editora Garamond, 2004.
______. Estratégias de transição para o século XXI: desenvolvimento e meio am­biente. São Paulo: Studio Nobel: Fundação do Desenvolvimento Administrativo – FUNDAP, 1993.


______. Ecodesenvolvimento: crescer sem destruir. São Paulo: Edições Vértice, 1986.

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