segunda-feira, 24 de agosto de 2015

Decapitação de Iemanjá na Paraíba: um ato de intolerância

Zildo Gallo


Em outubro de 2012, eu e minha companheira Claudia passamos uma semana na capital do Estado da Paraíba, João Pessoa. Trata-se de uma bela cidade, com um povo bastante hospitaleiro. Diferente de outras capitais litorâneas, João Pessoa é uma cidade sem arranha-céus. Fiquei sabendo que é uma opção urbanística, uma opção muito inteligente, que lhe confere um agradável ar de cidade interiorana. É um município de médio porte com belas praias, ótimos restaurantes e várias atrações turísticas. Para aqueles que gostam de um turismo tranquilo, João Pessoa é uma boa opção, eu indico. Confiram!
Numa caminhada pela orla marítima, na praia do Cabo Branco, numa pequena praça nós encontramos uma estátua bem grande, cerca de 2,5 metros, de Iemanjá. A praça leva o mesmo nome da rainha dos orixás. Tiramos algumas fotos dela, de vários ângulos, pois ela se parecia muito com uma amiga nossa de São Paulo. No mês seguinte, quando a encontramos, nós lhe mostramos e, de fato, confirmamos a semelhança.
No início de abril de 2013, eu li uma notícia num jornal que me deixou chocado e que, mesmo depois de passado tanto tempo, considero importante falar alguma coisa sobre ela. "Vândalos" cortaram a cabeça da estátua e ainda escavaram a sua base, numa tentativa de derrubá-la. Muitos entenderam esse fato como um ato de intolerância religiosa, inclusive o Conselho Estadual de Direitos Humanos - presidido por um padre católico - que publicou uma nota contra o "desrespeito à diversidade religiosa". A seccional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) na Paraíba também se manifestou a respeito e cobrou mais segurança para o local.
Esse não foi o primeiro episódio de intolerância em relação a esse monumento que homenageia a religiosidade afrodescendente. Trata-se de uma indesejada repetição. Em 2011 as suas mãos foram arrancadas. A reconstrução da estátua e a indignação de muitos foi uma boa resposta aos "vândalos", mas precisamos continuar alertas.
Acho importante lembrar o episódio aqui no meu blog, pois considero que o patrimônio cultural e religioso do povo brasileiro deve ser respeitado e que nenhuma intolerância religiosa deve ser aceita num país tão multicultural como o nosso. A religiosidade brasileira tem três matrizes predominantes, são elas: a indígena, a africana e a europeia (cristã). A Umbanda, vejam só, que é a primeira religião genuinamente brasileira, mistura as três origens; a criatividade dos brasileiros sempre surpreende. O Brasil é muito grande, multicultural e multirreligioso e isso é muito rico e muito belo. Essa imensa diversidade precisa e deve ser preservada.
Na cidade do Rio de Janeiro, em junho de 2015, a violência da intolerância religiosa atingiu uma menina de verdade, não uma estátua. Alguns dias após o episódio eu publiquei no meu blog o artigo: "Lapidaram a menina do candomblé: os fariseus estão de volta". A pedra que acertou a cabeça da garota atingiu em cheio a memória e a alma dos nossos irmãos descendentes dos africanos que foram violentamente trazidos para cá e vergonhosamente escravizados. Eu considero esse episódio como um duplo mal: racismo e intolerância religiosa.
Escrevi esta breve crônica para registrar a minha indignação e, para encerrar, quero dizer que fico horrorizado com o espaço que tem certos pastores, inclusive na grande imprensa, para disseminar ignorâncias e intolerâncias. A religiosidade de origem africana e os homossexuais são os alvos preferidos desses "soldados de Jesus". Até onde pode chegar tamanha estupidez? A história da humanidade está repleta delas e é cada vez mais necessário que paremos com isso.
Odoyá, Rainha do Mar! Lave com suas águas a ignorância das mentes intolerantes e o ódio dos seus corações embrutecidos. Odoyá! Odoyá!


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TEMPO E ROUPA SUJA